quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Entrevista

O poeta conterrâneo Arleto, responsável pelo blog da Associação Peabiruense para o Desenvolvimento das Artes [APDARTES], fez uma entrevista comigo, transcrita na seqüência. Ao Arleto e ao pessoal da associação, meu agradecimento!
ENTREVISTA COM O ARTISTA

S E T E
PERGUNTAS PARA

FÁBIO SEXUGI


Fábio Sexugi (Campo Mourão / PR, 1980). Educador e professor de latim e italiano, nasceu poeta, mas só se deu conta disso em 2008, quando começou a publicar seus rabiscos. Paranaense de nascença e coração, o neopoeta é peabiruta, ou seja, peregrino do famoso Caminho do Peabiru, uma trilha indígena milenar que cortava o Paraná, ligando o Chaco Paraguaio ao litoral brasileiro. Fábio tenta encontrar na poesia aquilo que os índios buscavam percorrendo essa estrada sagrada: a Terra-Sem-Males, uma espécie de paraíso. Às vezes consegue achá-la (como quando venceu o IV Concurso Internacional de Poesia Latino-Americana na categoria "Espiritualidade") e fica contente. Quando não consegue, pára, ri de si mesmo, reflete um pouco, toma uma xícara de café (bem forte) e tenta de novo. No primeiro certame literário que participou, Sexugi obteve o 1º lugar, com o poema concreto "Xícara" no I Concurso Nacional de Poesia Caleidoscópio de Belo Horizonte. Amante da língua dantesca, foi selecionado para integrar a Antologia Comemorativa Ítalo-Espanhola dos 40 Anos do Prêmio Júlia de Gonzaga, do Castello di Fondi, no Lácio, bem como a Antologia Parole e Poesia das Edições Il Fiorino, da cidade de Módena. Em abril de 2009, conseguiu um feito inédito para poetas paranaenses: arrebatou o 1º lugar no Prêmio Primaverart, em Lecce, no Sul da Itália, onde também foi contemplado com o prêmio da crítica para a literatura.

1. João Cabral de Melo Neto disse que poesia é mais transpiração que inspiração. Escrever para você é um ato de prazer ou de dor?
FÁBIO: Escrever é um parto: um processo que costuma ser complicado pra caramba e que requer do poeta as duas coisas, que se complementam. Digo isso porque já tentei escrever sem inspiração, contando apenas com a técnica. Não deu certo, porque, por mais esforço que se faça, é como parir um filho que não existe. É trabalho estéril. Não consigo escrever sem uma gestação literária, que pode durar um minuto, meia hora, sei lá, um mês. E também nesta gravidez há muito de transpiração, pois é nesta fase que o poema vai ganhando forma. Por outro lado, para que a inspiração lírica se concretize na musicalidade da palavra, na materialidade do papel, é preciso suor, sem o qual não se pode falar em fazer literário. A inspiração está por toda a parte. Prendê-la à letra é que são elas. Por isso, não acredito muito nessa idéia de composição poética passiva, como um ato de psicografia. O nascimento do poema é dolorido. Dolorido, mas agradável e instigante, porque nele, o poeta é filho, mãe, parteiro e o próprio parto ao mesmo tempo. Coisa de doido. De doido doído.

"Posto que sou asas
Sobrevôo-me
Eutmosfera"

2. Em algum momento você já pensou em parar de escrever, mandar as favas a força que te move a rabiscar os versos e calar-te?
FÁBIO: Eu sempre paro de escrever. Paro e escrevo de novo e paro mais uma vez. É que rabiscar é como o próprio coração que bate, mas, antes que bata novamente, há um momento de silêncio. Bate e pára e bate de novo. No ano passado, por exemplo, escrevi bastante. Em 2010, para poder me aventurar um pouco pelo universo do conto (que me exige mais tempo) tive que dar um tempinho nos versos. Mas, o que eu gosto mesmo de fazer é poesia. Às vezes, a pausa – necessária – acontece por falta de inspiração. Outras, como agora, por mera falta de tempo mesmo. É o sistema capitalista sufocando o poeta.

"Minha casa tem gosto de Carneiro ao Vinho,
Sabor sagrado, segredo sangrado no sul.
É terra rubra que pinta o pé pelo caminho,
é sossego, saudade e sol. É Peabiru."

3. Dostoiévski disse que ele acreditava em Deus, mas Deus não acreditava nele. Diante de sua poesia Parafina (premiada no Uruguai), onde se tece um breve tratado sobre a fé, a literatura universal pode fortalecer ou apagar a chama da fé?
FÁBIO: Para ser honesto, não sei se a literatura aumenta ou diminui a fé. Mas, uma coisa é certa: as letras certamente são capazes de nos tornar mais próximos daquilo que é sublime, transcendente, criativo: distintivos de Deus que se escondem em cada pessoa e que a literatura pode revelar. Acho natural que as coisas nas quais acredito, volta e meia, apareçam nos meus versos. Como católico e latino-americano, compus alguns poemas para a Virgem Maria, de quem venho aprendendo a ser devoto. Allah também aparece na minha poesia quando o sangue libanês fala mais alto. No poema Parafina, quis tratar de uma característica da humanidade que, desde que o mundo é mundo, se confronta entre a crença e a incerteza. É que eu encaro a dúvida, mais que um antônimo de fé, como um instrumento positivo que aproxima o homem e a mulher da verdade, da ânsia de querer saber mais, de conhecer além, de entrar em contato, de explorar aquilo que não é totalmente explorado. Há uma tendência histórica em mistificar a fé. Para mim, que tento me equilibrar sobre ela, existem muito mais mistério e poesia na dúvida que propriamente na fé. Duvida?

"Céu lustroso
sem nuvem alguma
Um grilo ocioso
conta as estrelas
uma por uma"

4. Dylan Thomas, Virginia Woolf, Hemingway, Silvia Plaft sucumbiram a sua tragédia interior: partiram cedo pelo álcool ou deram fim a vida. Diante deste quadro, o escritor é um super-heroi dotado de visão raio-x, de poderes diferenciados ou é um simples homem-comum-covarde?
FÁBIO: Quem escreve tem, por natureza, uma sensibilidade mais acurada que as outras pessoas. Para o escritor, um amor é sempre intenso e uma dor é dor aguda, ainda que às vezes, como definiu bem o Pessoa, seja só fingimento. Mas o fato é que essa exposição mais violenta aos sentimentos – ou mesmo, à ausência deles, ao tédio – faz com que alguns se submetam ao extremo, tirando veneno dos próprios versos. Também o leitor está sujeito a isso, infelizmente. Assim, quem doma a palavra tem nas mãos uma responsabilidade terrível. Não vejo lirismo nas sombras e acho que não vale a pena compor poemas demasiadamente melancólicos, tristes. É a vida o que conta! Por isso, tento escrever poemas mais solares, alegres, que sintetizem o encanto que existe nas coisas simples, corriqueiras. Acho linda a história de uma moça depressiva que desistiu do suicídio depois de ler "Prece" da Helena Kolody, minha poetisa favorita. E isso é muito poético. Assim, quando a letra muda positivamente a vida de alguém, então, o autor pode se considerar um sujeito privilegiado, um herói.

"Quero escrever a palavra mais linda
e deixar pelos muros versos suaves
Quero entrar na casa da poesia
e da janela translúcida, intruso,
olhar o mundo além dos horrores."

5. O escritor russo Isaac Bábel disse que “nenhum metal pode perfurar o coração com tanta força quanto um ponto final”. Neste sentido, como escritor, que poderes você atribui a palavra escrita?
FÁBIO: O primeiro poder da palavra escrita é o de comprometer o escritor, porque, ao escrever suas idéias, é a si mesmo que ele aprisiona ao papel. Talvez seja por isso que poucas pessoas escrevam, já que quem se atreve a redigir duas linhas num bilhete de geladeira ou mesmo um livro inteiro arrisca-se, prende-se e fica sujeito à livre interpretação e avaliação do leitor. Sócrates nunca escreveu. Buda também não. Jesus não deixou uma única página escrita. Terá sido porque a escrita seja mesmo uma algema? Seja como for, escrever, como já me disseram acertadamente, é para os loucos que, como eu, teimam em registrar sua percepção do mundo. É loucura porque a palavra escrita é perigosa. E isso é, aliás, o que mais me atrai nela. É perigosa porque, por mais cuidado que se tenha, o autor nunca sabe bem que destino terá sua cria ao ser captada e avaliada pelas pessoas. Outro poder importante da escritura, principalmente na era digital, é a de corrigir estruturas sociais freqüentemente injustas e incomodar, se necessário, até mesmo os tiranos poderosos. A extraordinária força evocativa da palavra escrita dá ao autor essencialmente a possibilidade de ser sentido no espaço e no tempo e de penetrar o imaginário do leitor. Eu gosto desse poder.

"Sopra, brisa pungente, minha vela reclusa!
E move esta nave donzela a epopéias bravias
para as águas gestantes de vãs poesias,
para os mares sedentos desta proa intrusa"

6. Ler e escrever nos permite viajar sem sair do lugar. O que você sentiu ao transgredir essa regra, pois literalmente a literatura permitiu que você viajasse saindo do lugar (Itália mostra)?
FÁBIO: Foi uma experiência inesquecível ter sido premiado na Itália no ano passado. Se já é bom ser contemplado na própria pátria, imagine ser reconhecido num país estrangeiro por composições num idioma que não é sua lingua materna. Os dois prêmios (melhor produção artística do certame e prêmio da crítica pela literatura) que recebi em Lecce (conhecida como "Città d’Arte" e fundada há mais de 2000 anos) tiveram para mim um peso maior, não só porque eu aprecie a língua dantesca, mas principalmente pelo fato de que concorri com escritores italianos consagrados de várias regiões do país. Com isso, me tornei o único poeta brasileiro a vencer concursos literários na Itália, que é berço da civilização ocidental e valoriza como ninguém as expressões artísticas. Fiquei uma semana em Lecce (bem no salto da bota): dei entrevistas a TVs e jornais locais, bati um papo com acadêmicos da Università del Salento, fui recebido pelo prefeito e pelo presidente da província, conversei com artistas italianos supertalentosos, conheci o Mar Adriático, visitei lugares antiqüíssimos – o palácio onde aconteceu a cerimônia de premiação é da época do descobrimento do Brasil! – e, claro, comi muito bem. Além destes dois prêmios, também recebi outros em Portugal e no Uruguai. Confesso, porém, que as premiações na Itália têm para mim um gosto de superação: é que logo na primeira aula de italiano em 1996, meu professor disse que eu talvez não aprenderia tão bem o idioma quanto os demais alunos por não ser descendente. Ele estava errado.

"Ma se Le sembr'affronto
Le chie’dunque per corolle
che mi faccia almeno sole
e divento un bel tramonto"

7. Afinal, Capitu traiu Bentinho?
FÁBIO: Traiu. Aqueles "olhos de ressaca" nunca me enganaram.


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Canção para Maria

Numa tarde do ano passado, o músico italiano Diego Salvetti e eu compomos uma canção para que fosse utilizada no tradicional Auto da Via Sacra, na cena em que o apóstolo João consola a Virgem Maria da morte do filho.

A música foi gravada no começo de 2010 pela Banda Luz do Céu, de Curitiba.

Ouçam e comentem!

"Mãe da Dor e da Utopia"

terça-feira, 31 de agosto de 2010

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Xícara na sala

Um agradecimento especial à Prof. Eunice Radtke que levou minha xícara (lembram dela?) para a sala de aula. Ela me mostrou a reprodução do poema que um de seus alunos da 4ª série fez e decidi postá-la aqui.


A poesia foi usada durante um projeto que, entre outras coisas, abordou os poetas paranaenses. À Profª Eunice e a seus alunos, um abraço e um cafezinho!


quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Poema do Anu-Preto


Não nasci para ser burro
de carga, de presépio

Não esperem o meu sussurro
quando um grito é obséquio

Não me esperem ir no vácuo
mesmo se não há saída

Nem tampouco pedir bênção
a quem vende a própria vida

Não me digam o que eu devo,
o que eu não devo, o que não posso

Muito menos se intrometam,
no que eu creio, no que eu faço

Não queiram, já aviso,
Ensinar padre a rezar missa:

Eu sei bem por onde piso,
nesta areia movediça

Não me alio a puxa-sacos
de opressores, da elite

Não tolero um só palpite
de quem quer o meu “amém”

É que anu que come pedra
Sabe bem o cu que tem.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Saudades


Não sei porque
esta tarde tão lenta
de repente alimenta
o pensamento em você

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Caminheiros


Na correria cotidiana, dividido entre vários locais de trabalho em cidades diferentes, estou sempre na estrada. Aliás, nunca trabalhei tanto. Carros, motos, paisagem e relógio disputam minha atenção ao volante. Porém, nada atrai tanto para si meu espírito quanto as pessoas que caminham na beira da pista, solitárias, sem pressa, indiferentes ao tráfego e ao tempo, pensadoras...

Admiro os caminhantes: são eles os verdadeiros filósofos. São eles que, impassíveis, mesmo sob um sol de rachar e ao barulho do trânsito contíguo, mantêm firme e contínua a marcha poética dos pés e da mente. Em que pensam exatamente, não sei.

Conhecer a reflexão destes que perambulam pelos acostamentos talvez seja uma necessidade natural nestes tempos abarrotados de pensadores “eruditos” (aqueles que inventam conceitos novos e os difundem internet adentro para definir tudo aquilo que já tinha sido devidamente conceituado; que consideram demodè ponderar sobre existencialismo, marxismo, teologia e tudo quanto não seja pós-estruturalismo; que elaboram uma linguagem técnico-filosófica própria e fazem com que os demais se submetam a ela; que se esquecem, porém, que seja-lhes necessário morrer cedo: é que os eruditos verdadeiros já descansam em paz há muito tempo). Já estou farto destes “teóricos” repetitivos, iguais, estáticos.

Pra saber do que falo, bastaria lembrar que Sócrates filosofava e ensinava caminhando; Sidarta (que nasceu enquanto a mãe peregrinava) vagabundou um tempão pela Índia; Jesus fez o mesmo na Palestina e não parou nem no sábado. Por isso, insisto: a verdadeira filosofia se faz caminhando, porque quem caminha pensa.

Quem sabe, não estejam por aí outros grandes caminhantes. Gostaria de saber, pelo menos uma vez, o pensamento de tais filósofos silenciosos. Talvez seja a hora de eu começar a caminhar também...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Dois anos


Hoje o Blog El Peabiruta completa dois anos. O primeiro post foi justamente sobre o porquê do título: sua relação com o misterioso e milenar Caminho do Peabiru e a busca utópica pela Terra-Sem-Males, passo a passo, verso a verso, numa trilha que, embora antiga, precisa ser desbravada a cada movimento.

E o movimento – quase sempre tímido – da escrita é, para mim, uma exigência; é uma necessidade impertinente de arrancar dos caminhos sombrios da mente pensamentos teimosos para, em seguida, reorganizá-los, palavra por palavra, num percurso novo, escrito. Isso, porém, não é tarefa fácil, sobretudo quando as idéias não se submetem à linearidade rija da escrita e, caso peguem um vento forte, como esses de inverno aqui em Peabiru, são capazes de levar-me consigo à deriva, a bordo de uma canoa guiada por um eu mesmo desconhecido. Quando, todavia, consigo aprisionar as idéias às folhas em branco – de papel ou virtuais – ainda assim me parece melhor cultivar a ilusão de que sou eu a controlá-las, e não o inverso.

Sigo escrevendo e inventando caminhos. Será que um dia eu chego à Terra-Sem-Males?

domingo, 27 de junho de 2010

O tempo não pára!


Fiquei ausente do blog por alguns meses, ora por falta de tempo, ora por falta de saco mesmo. Mas, não parei de escrever, não. Rabisquei alguns poemas e até me arrisquei nos caminhos conturbados do conto, o que me tomou um tempaço.

Nesse período de aparente silêncio, assinei contrato com duas editoras: a Opet de Curitiba e a Saraiva, de Sampa. Ambas publicarão alguns poemas meus em seus livros didáticos, o que me deixou – confesso – muito envaidecido. [Drummond que se cuide! Hehehe...]

Espero arrumar tempo pra postar alguma coisa que valha a pena, e não meros aforismos [excetuando-se, evidentemente os haikais: esses sempre valem a pena!]. Porém, isso só será possível – acho – nas férias de julho. É que até lá estou me massacrando em uma meia dúzia de locais de trabalho diferentes, sempre no ingrato e sedutor ofício do magistério.

Difficile sorbere et simul flare est.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Guaranis

Gosto muito da Pastoral da Juventude e do sonho que ela cultiva no coração de muitos jovens. Gosto de ver os jovens motivando outros jovens a encarar a vida com ânimo e com sonhos. Os jovens, de todos os tempos, precisam de sonhos. Os de hoje, precisam mais.

Estou seguro de que parte da minha formação humana se deu num grupo da PJ, com seus debates, celebrações, festas... Por isso sou grato a essa pastoral por quem não escondo um profundo carinho.

Assim, pra começar as postagens deste ano, escolhi um canto da PJ que sempre me emociona.


GUARANIS

Ah! Quero ouvir as serenatas,
ver crescer as nossas matas e tocar meu violão
Ah! Meu amigo, vem cantar,
pois o dia vai raiar e morar nesta canção
Ah! Que saudades do poeta,
do artista e do profeta que o tempo eternizou.
Ah! Como eu falei de flores,
liberdade, beija-flores, que meu coração sonhou.

Ah! Ver crianças pelas praças,
paz e pipa, pão de graça como o cheiro de hortelã.
Ah! Água pura ali na fonte
e a gente a olhar os montes, sem ter medo do amanhã.
Ah! O meu lindo continente
que fez do sangue a semente, para ver o sol nascer.
Ah! Nossas matas tão bonitas
verdes mares, canto a vida, quando o dia amanhecer.

Ah! Quanta luta na fronteira
tanta dor na cordilheira, que o condor não voou.
Ah! Dança e Terra Guaranis
de uma raça tão feliz que o homem dizimou.
Ah! Vou nos passos de um menino
no meu coração latino a esperança tem lugar.
Ah! Quando bate a saudade
abre as asas liberdade, que não para de cantar.